colcha de retalhos

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Location: Rio de Janeiro, Brazil

Nascido em 1979, fui criado e educado em meio a farta diversidade artística e cultural da Zona Sul da Cidade Maravilhosa. Desde sempre questionador, acabei por me formar pesquisador. De mente inquieta, extravaso minha criatividade como baterista aspirante e pretenso escritor.

Sunday, May 18, 2008

Quente ventre

Mistura de cabelos
e dedos
Desejos e
anseios

Fêmea que arde no ventre
Acende a carne que quente
rebola
e enlouquece-me por completo

Calor interno
atravessa a pele
alheia
e inflama no coração

Espasmo de prazer
Satisfação e
suor
suado
salgado
evaporado
e condensado
neste ar pesado
denso
e impregnado
de sexo e libido

- Como está quente este quarto!

Tuesday, May 13, 2008

Dois corpos

Eu estava puto da vida por ter que parar com a leitura.

- Que custa fazer um favorzinho?

Nada, não custa nada. Mas uma coisa que realmente me deixam de mau humor é ter de interromper minha leitura. Seja qual for. Principalmente por aquelas pessoas que parecem aguardar, pacientemente, até o momento em que sua atenção está completamente voltada para o objeto de literatura, para te encher de perguntas e assuntos dos mais desinteressantes. Mesmo que sem querer.

Havia ficado a manhã inteira sem fazer nada, mas bastou pegar meu livro...

- Já volto.

Saí amaldiçoando todos que interrompem uma boa leitura. No pilotis do prédio, descobri que não haveria de ser em vão aquela interrupção.

Deslumbrante é apenas um dos inúmeros adjetivos que poderia usar para descrevê-la, mas certamente não o que definiria – nenhum poderia – como a vi naquele momento. Empurrava um carrinho de bebê, graciosamente. “(...) os movimentos de uma mulher dão a real dimensão de seu esplendor.” Rubem Fonseca. Eu pensava se já não havia a visto antes. Deveria ser uma nova moradora. Talvez a ninfeta latina que tinha chamado minha atenção na semana passada... Impossível, seu corpo era de uma mulher bem mais “desenvolvida”. Quando olhou para trás, por sobre o ombro e me encarou, tive total certeza de que não era ela. Tive total certeza de minha perdição.

Depois de entregar uma torta à idosa e simpática senhora do bloco da frente que, por tentar ser demasiadamente simpática, me fez perder a oportunidade de contemplar aquela flor novamente, quando passou por nós, voltei. Ao passar pelo porteiro, não resisti à estupidez.

- O senhor por acaso conhece essa mulher, quer dizer, essa menina que acabou de passar com o carrinho de bebê?

- Que mulher?

- Essa que acabou de passar por aqui. Empurrando um carrinho de bebê.

- Conheço.

- Quem é?

- Por quê?

- Por nada, nunca a vi aqui antes...

- 506.

- Do A ou do B?

- Daqui.

Morávamos no Bloco B eu, o porteiro e sua família e a linda menina que acabara de ver.

- É a mãe da criança?

- Não.

Retornei ao livro e devorei as páginas que faltavam em poucos minutos. Sem conseguir tirá-la da cabeça, fui obrigado a ler novamente o último capítulo. Mesmo sabendo que minha timidez me impediria de dizer-lhe uma palavra sequer, desci novamente, sem pretexto. E sabendo que provavelmente já teria voltado com o bebê para casa.

Já havia subido. Voltei para casa e decidi que conheceria e seduziria o motivo de minha alegria naquele dia cinza de primavera. Custasse o que custasse.

* * *

- Juro que não é preconceito, mas cheguei a pensar que você fosse a mãe do Lucas. Até mesmo irmã.

- O quê?

- É, sério, nunca imaginei...

- Preconceituoso!

- Já disse, não é preconceito, é que você é uma exceção, seu rostinho... Você tem que admitir que não é comum. Além do mais você é muito jovem...

- Então como poderia ser mãe do Lucas? Você é preconceituoso sim.

- Que seja, então. Você é linda!

- Você também é uma gracinha. Mas aonde já se viu? Meninas bonitas, e isso é você quem diz, não podem trabalhar como empregada doméstica? Pior! Toda empregada é feia?

- Você é babá do Lucas.

- Dá no mesmo! Afinal de contas eu faço a comida pra todo mundo naquela casa...

- Mas não lava, não passa...

- Também, você acha que eu sou o que, hein? Só o que o pestinha dá de trabalho já é o suficiente pra me deixar exausta. Mas ele é tão fofinho!

- “Mas ele é tão fofinho...”

- Tá com ciúmes, é?

- E se estiver?

- Deixa de ser bobo, ele precisa de mim muito mais do que você.

- Ah, isso com certeza não...

Não foi muito difícil, ao contrário do que eu imaginava, conquistar Camile. Bastaram uns dois dias de trocas de sorrisos, um “ele é muito lindo, não é?” e logo me dei conta de que “adoro homens que gostam de crianças” tratava-se de uma cumplicidade de sentimentos.

É claro que uma pequena mudança de horários na minha rotina de dormir e acordar e “favores desinteressados” para minha querida mamãe, foram convenientes para encontrá-la em seus passeios matinais com o pequeno Lucas pelo condomínio.

Agíamos como dois adolescentes que não podiam namorar, mas que mesmo assim continuavam a se encontrar às escondidas. Conversávamos por pouco tempo quando eu, voltando do banco ou da padaria, a encontrava. Justamente “quando já estava quase na hora do Luquinha subir” e de eu ir para a faculdade. Tudo muito discreto e cauteloso. “Os vizinhos e zeladores adoram falar da vida dos outros, principalmente das empregadinhas que se engraçam com moradores”.

- Não gosto quando você fala assim.

- Você é bobo. Sabe que falam assim, até pior...

Um beijinho, só no elevador. E só se estivéssemos sozinhos. Tudo muito disciplinado, muito calculado. Mas claro que toda cautela não durou por muito tempo.

* * *

- Você sabe o que essas velhas fofoqueiras andam dizendo...

- A que horas chega a D. Clara?

- Seis e meia, sete horas...

- Ainda são dez para as cinco, temos muito tempo.

- E se o Luquinha acordar?

- Aí, você vai lá e bota ele pra dormir de novo.

- Como? Assim?

- Quem me dera ter uma babá como você... E ainda mais que me botasse pra dormir só de calcinha... Nunca teria pesadelos.

- Para!

- Às vezes acho que você é que não está mais querendo nada comigo...

- Você é bobo. Antes nós fazíamos tudo direitinho, tudo nos conformes. Agora olha só, já estamos quase fodendo na sala da minha patroa.

- Que não vai nem desconfiar... Aliás, acho que a gente devia era assumir de vez!

- Você é um inconseqüente! Já falamos sobre isso. Sabe que se a D. Clara desconfiar de mim me bota no olho da rua. E aí é que não vamos ter mais nada mesmo.

Blim, blom!

- Puta que pariu, a campainha!

- Calma, é só a campainha. A D. Clara não é. Então relaxa.

- Calma o escambau! E se for o "seu" Pedro?

- Pais divorciados... Visitas marcadas... A D. Clara te avisou de alguma coisa?

- Não.

Blim blom! Blim blom!

- Então relaxa e vai lá atender.

- Pra você é tudo muito fácil. Agora eu vou atender a porta toda descabelada...

- Tá uma graça, vai logo.

Blim blom! Blim blom!

- JÁ VAI, JÁ VAI! Vai pro banheiro e só sai quando eu mandar.

- Nanana nananana...

- Vai!

Antes de entrar no banheiro, ouvi o barulho da porta sendo destrancada. Para falar a verdade, estava me divertindo um bocado com a situação.

- Boa tarde seu Jaime, em que posso ajudar?

- Boa! É que a D. Clara pediu pra eu passar aqui por conta de vê um vazamento que parece que tem no banheiro...

- Já foi consertado.

- Já?

- Já.

- Mas não foi mesmo, acabei de vir do apartamento de baixo e tá vazando que parece que é uma cachoeira.

- Mas aqui tá que é uma beleza.

- Mas acontece que, se eu não vê isso logo, pode não ficar mais uma beleza. E aí, vou ter que quebrar o banheiro da sua patroa todo. E aí, garanto que ela não vai achar nada uma beleza. Hoje é sexta e se não for hoje, só semana que vem. E aí, pode ser tarde...

- Mas a D. Clara não me avisou nada...

- Mas a D. Clara me avisou ontem. E pediu pra eu vir aqui hoje. Como é, posso entrar ou não, gracinha?

- Bom, seja o que Deus quiser...

- Muito obrigado.

Depois de meia hora de espera no armário do quarto, não conseguia mais controlar a vontade de ir ao banheiro.

- Bom, parece que o problema é no registro. Avisa a sua patroa que vai ter que quebrar tudo mesmo. Semana que vem eu volto. Tchau, delícia.

Saí em disparada quando a porta bateu. Camile não entendeu nada.

- Como é que você foi parar no armário?

- Acontece que se eu tivesse ficado no banheiro, como você me disse pra fazer, não teria escutado nada e o seu Jaime ia ter uma bela surpresa.

- Meu inteligentinho... Só que agora está na hora de você voltar pra sua casinha.

- Mais um beijinho.

- Tchau!

- Até amanhã. Ah, mais uma coisa, se o vigarista do Jaime te chamar de gracinha de novo, arrebento a cara dele!

- TCHAU!

* * *

Camile era muito mais que uma amante. Não era uma namorada, mas tratava-me como se fosse. Eu gostava embora ela não admitisse a idéia de um compromisso entre nós. Naturalmente, foi crescendo a brasa da luxúria que nos fazia, por horas, perder a razão. Colocávamo-nos em risco no apartamento de D. Clara, várias vezes por semana.

- Daqui a pouco o Luquinha tá repetindo o seu nome pra mãe dele e aí eu quero só ver...

- Mas eu adoro esse menino! A D. Clara já me viu brincando com ele várias vezes. Não vai ter nada de mais.

Camile era diferente das demais meninas da sua idade. Apesar de não apresentar ingenuidade, muito pelo contrário, demonstrava possuir mais experiência do que eu imaginava para uma menina de 17 anos e 11 meses, como ela gostava de dizer. Era linda e não se dava conta disso. Ao menos, não admitia.

Após algum tempo, alguma coisa tornou-se diferente. Não comentei nada, pois não sabia bem o que era. Continuávamos como dois alucinados a nos arriscar, por vezes até nas escadas do prédio, de madrugada. Começou a perturbar os vizinhos, mas nos divertíamos com isso. Só não posso dizer que Camile era insaciável, pois o fogo que despertava em mim permitia que nos desenrroscássemos apenas quando ambos apresentavam evidentes sinais de exaustão. Separávamos-nos de comum acordo. E ríamos com isso.

- Boa tarde, a D. Camile, por favor...

- Engraçadinho.

- Estou subindo.

- Não, não sub... Não desligue a merda do interfone...

...

- Não me ouviu? Disse que não era pra você subir.

- Não.

- Então estou dizendo agora. Não era pra você ter subido.

- E por quê?

- Porque não era. Porque hoje o seu Jaime vem aqui fazer um conserto e deve demorar.

- Mas ele já não quebrou o banheiro todo?

- É na cozinha.

- Não vai me deixar entrar?

- Não. Ele pode chegar a qualquer momento. É melhor você voltar pra casa rapidinho...

O Jaime já tinha chegado. Por um momento ela permitiu que a porta entreaberta aumentasse um pouco o meu campo de visão. Vi o filho da puta sentado no sofá, nu.

- Filha da puta!

Agora já não me importo de ser chamado de preconceituoso...

- Puta que pariu! Tinha que ser com o bombeiro do condomínio!?

Não sei explicar ainda o que me passou pela cabeça na hora. Para falar a verdade, nos poucos meses que passaram desde que começamos a nos encontrar, não perdi muito tempo pensando em porquês ou explicações.

- Calma, vamos ficar calmos.

Não sei explicar muita coisa...

- Não! Não! PARA!

Mas agora, é bom começar a raciocinar de novo. E depressa. Já são 18h45min, D. Clara chega a qualquer momento e eu não tenho idéia do que fazer com esses dois corpos na sala dela. Não consigo pensar. E esse merdinha do Lucas não para de chorar!

* * *